A nova guerra do retalho: valor vs preço
Nos últimos meses, um movimento despertou a atenção no mundo da moda e do retalho: a Zara começou a aumentar os seus preços. Num mercado onde gigantes como a Temu, a Shein e outras plataformas de ultra fast fashion ganham espaço com preços quase imbatíveis, a escolha da Zara não parece intuitiva. Mas, é precisamente aí que reside a estratégia.
Estamos a presenciar um movimento de contra-ataque, mas não através da guerra de preços. A Zara optou por se reposicionar. Em vez de competir em “quem entrega mais por menos”, decidiu investir na perceção de valor, qualidade e experiência.
Quando o aumento de preço é estratégico (e não suicida)
Em 2024, um estudo da McKinsey revelou que as marcas que aumentaram os seus preços e acompanharam esse movimento com melhorias claras na experiência e perceção, conseguiram crescer acima da média no mercado. A Zara parece estar a seguir esse playbook:
– Investimentos em lojas com design mais sofisticado;
– Expansão do portfólio de peças com tecidos premium;
– Comunicação visual mais minimalista e aspiracional;
– Reforço da experiência omnicanal;
– Coleções mais pequenas;
– Coleções diferentes por loja;
Tudo isto são indícios de uma mudança profunda de posicionamento: deixar de ser uma marca de moda acessível para se consolidar como uma marca de “luxo acessível”.
O que a Zara percebeu que tantas outras marcas continuam a ignorar?
Concorrer por preço é como correr numa passadeira sem fim, porque haverá sempre alguém disposto a cobrar menos. A Temu, com o seu modelo logístico agressivo e produção escalável, obriga as marcas tradicionais a reverem as suas bases de competição.
A Zara decidiu sair desse jogo. Em vez de jogar no tabuleiro dos outros, elevou o seu. Apostou em diferenciais como:
- Design exclusivo e intemporal;
- Experiência de compra mais fluida e envolvente;
- Construção de uma marca forte, com valores claros e consistentes;
É uma jogada arriscada? Sem dúvida. Mas também pode ser a única forma de manter margens de lucro, fidelizar clientes e sobreviver num mercado onde competir por preço torna-se insustentável.
Exemplo real: Zara vs Temu numa simples camisa branca
Comparemos uma camisa branca da Temu, com outra da nova coleção da Zara. Ambas têm propósitos diferentes. Enquanto a da Temu custa 5€, chega a casa em 10 dias e cumpre a sua função; a da Zara apresenta um corte mais sofisticado, tecido de qualidade superior, experiência de compra planeada e uma embalagem que comunica valor.
O produto não é apenas o que se veste, é o que se sente. E é esse sentimento que fica na memória e incentiva a recorrência de compra.
3 aprendizagens para quem deseja aplicar este reposicionamento:
- Reposicionamento exige entrega: não basta aumentar o preço se o cliente não reconhecer uma evolução clara no que está a receber.
- Experiência importa: em mercados consolidados, o que se vive durante a compra vale tanto quanto o produto.
- Marca é memória: as pessoas lembram-se do que sentiram. Cada ponto de contacto precisa reforçar a nova proposta.
Dados que reforçam a tendência
Segundo o State of Fashion 2024, da Business of Fashion em parceria com a McKinsey:
- 67% dos consumidores afirmam estar dispostos a pagar mais por marcas, que proporcionam experiências memoráveis;
- Marcas que investiram em lojas físicas com design mais sofisticado aumentaram o valor médio por transação até 24%;
- A procura por “luxo acessível” cresceu 38% em 12 meses, com destaque para o segmento entre os 30 e os 45 anos;
- 53% dos consumidores dizem preferir marcas que demonstram consistência entre o que comunicam e o que entregam.
Estes dados mostram que não se trata apenas de perceção. Existe um comportamento concreto e mensurável do consumidor disposto a investir mais quando se sente valorizado.
O impacto deste movimento noutros sectores
O que a Zara está a fazer pode ser observado noutros segmentos. Marcas de café, cosmética, tecnologia e formação estão também a migrar do discurso de preço baixo para uma proposta de valor mais elevada. O consumidor atual procura mais do que produtos: quer significado, identidade e uma experiência que justifique o investimento.
Empresas que conseguem entregar isso conquistam espaço no mercado, fidelidade e uma diferenciação real. As que permanecem presas à lógica da quantidade e do desconto tornam-se cada vez mais substituíveis.
Competir por valor é uma escolha estratégica e urgente
A Zara percebeu que competir com a Temu a nível de preço é um beco sem saída. Ao reposicionar a marca, mostra que existe outro caminho: fortalecer a proposta, elevar a experiência e conquistar pela perceção.
Num mercado saturado, quem lidera não é quem fala mais alto, mas sim quem é lembrado pelo que entrega. E entregar valor, de forma consistente, é o que diferencia marcas que apenas sobrevivem, daquelas que crescem com relevância.
Se este artigo o inspirou a repensar o posicionamento da sua marca, partilhe com outros profissionais que também precisam de sair da inércia da comodidade e passar a agir com intenção.
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